Por Ana Paula Blower
Ao perceber que está indo ao dentista, Eduardo Friedmann, de 50 anos, enche-se de alegria e começa a chamar por uma das profissionais da clínica. Ele tem uma síndrome rara, chamada Lennox-Gastaut, que atrasou seu desenvolvimento neurológico e motor. Por isso, a paciência e o afeto dos dentistas que o atendem são essenciais.
— Foi uma dádiva encontrar essa equipe, tão competente e confiável — diz Lucilia Friedmann, tia de Eduardo.
Os profissionais a que Lucilia se refere são especializados no atendimento odontológico para pacientes com necessidades específicas. Fazendo uso de música e fantoches, por exemplo, eles viabilizam o tratamento de forma mais humanizada. A sensibilidade é a principal característica para entender e acolher cada paciente e suas especificidades.
— É preciso encontrar a forma ideal de trabalhar com o paciente. Devemos sair da zona de conforto e quebrar mitos, como o de que o autista não aceita contato, para atendimentos sem sofrimento. Pacientes com necessidades especiais precisam de cuidados ao longo da vida, e isso não pode ser negligenciado — pontua Lais Amaral, professora da Universidade Católica de Brasília.
Ambiente lúdico e abordagem diferenciada ajudam a ganhar a cooperação do paciente, o que é importante para evitar recursos como a sedação. Por isso, já na primeira abordagem odontológica, a aproximação e o estabelecimento de confiança com a pessoa atendida e seus familiares podem determinar o tratamento.
— Usamos inclusive roupas diferentes, estampadas, já que muitos pacientes têm traumas por já terem passado por longas internações. Procuramos maneiras de trazer um outro ambiente que não seja traumático — explica Bruna Michalski, coordenadora do curso de especialização em odontologia para pacientes com necessidades especiais da Associação Brasileira de Odontologia (ABO) do Rio.
As pessoas atendidas não são só aquelas com deficiências neurológicas ou físicas, mas também pacientes em condições sistêmicas ou crônicas, como câncer, diabetes, ou doenças infectocontagiosas.
— O conhecimento da condição médica do paciente influencia no tratamento odontológico. É preciso entendê-la para saber quando atuar, se um procedimento pode ser feito ou não — afirma Bruna.
Esse é o caso de Pedro Lucas, de 5 anos, paciente oncológico encaminhado para a ABO. Ele fez transplante de médula óssea há três anos por causa de uma leucemia. Sua primeira consulta ali, além de ter sido importante para a sua saúde bucal, foi motivo de diversão.
— Desde que entrou, até o final da consulta, foi só alegria. Os bonecos, as cores, tudo isso ajuda a acalmar a criança — diz o pai, Antônio Carlos dos Santos.
Por outro lado, encontrar profissionais especializados ainda não é tão comum, diz Allana Guimarães, especialista em odontopediatria pela UFRJ. Ela explica as diferenças no atendimento:
— A consulta é bem maior fora da cadeira e mais breve nela. Precisamos estabelecer uma relação de confiança para que eu possa chegar ao paciente. Isso é criado antes de qualquer procedimento.
Allana, que recebe mais pacientes autistas, conta como faz o atendimento:
— Tem paciente que, se eu não cantar “Amor, I love you”, da Marisa Monte, nem deixa chegar perto. Outro, eu só posso atender ao meio-dia, porque gosta de assistir ao jornal — conta ela.
Os recuros utilizados pelos profissionais
Para início de conversa, dizem os especialistas, deve-se descobrir do que o paciente gosta e como ele se comporta. A fórmula perfeita para atender cada um pode vir depois de muitas tentativas.
Muitas vezes, um boneco ou até itens como uma fronha podem trazer conforto. Por isso, tê-los no consultório facilita o atendimento. Se o interesse for por música ou desenhos, colocá-los durante o atendimento funciona bem.
Outra estratégia é, antes de iniciar um procedimento, estabelecer quantos segundos aquilo vai durar e contar junto com o paciente até que o prazo termine. O recurso estabelece a confiança com o dentista.
Para pacientes autistas, por exemplo, usar óculos escuros enquanto estão na cadeira dá sensação de distância, o que pode confortá-los. Usar um espelho para que acompanhem a consulta ou contar histórias que prendam a atenção são outros recursos.
Sedar ou imobilizar a pessoa só são medidas tomadas diante da ineficiência dos outros métodos, e é preciso autorização formal dos responsáveis.